terça-feira, 27 de março de 2012

A Necrópole de Fonte Velha de Bensafrim (Lagos)


No âmbito do projecto da Carta Arqueológica do Algarve (1877-1878), conforme foi aqui referido, a necrópole de Fonte Velha de Bensafrim (Lagos) é alvo das atenções de Estácio da Veiga em Março de 1878. Anos mais tarde, em 1897, será a vez de António dos Santos Rocha (1853-1910) intervencionar o local. Na necrópole – desde logo identificada pelo primeiro como da “primeira idade do ferro” e das mais tardias para o segundo (Correia, 1996: 7), pelo que segundo Estácio da Veiga (1891) não se confundia com as necrópoles alentejanas para ele mais antigas –, existem ainda vestígios mais recentes de época romana imperial, nomeadamente contextos funerários de cremação.

 
Vista geral da zona da necrópole de Fonte Velha

 
Sobre as estelas com escrita do Sudoeste presentes nesta necrópole, Virgílio Hipólito Correia (1997 e 1997) procedeu à sua sistematização. As duas primeiras estelas – Fonte Velha I (J.1.3) e II (J.1.4) – haviam sido oferecidas a Estácio da Veiga em 1878 pelo prior de São Sebastião de Lagos. A estas somou-se-lhe uma terceira estela – Fonte Velha V (J.1.5) – fruto das escavações no local e que estaria reutilizada numa sepultura (Hübner, 1893). Igualmente reaproveitada na construção de uma outra sepultura estaria a estela recolhida por António dos Santos Rocha – Fonte Velha VI (J.1.1) –, hoje albergada no Museu Municipal da Figueira da Foz. A estas quatro estelas, somar-se-ia ainda uma outra estela – Fonte Velha III (J.1.2) – adquirida por José Leite de Vasconcellos para o Museu Nacional de Arqueologia. Nesta instituição encontram-se, desde então, as estelas I, II, III e V (Correia, 1997: 183). Virgílio Correia (1996: 59 e 60) considera que estas epígrafes reportam-se à 3ª fase da evolução da escrita do Sudoeste, atribuindo-lhes uma cronologia do século VI a.C..



Aquando da aquisição da última estela o então director do Museu Nacional de Arqueologia menciona a existência de um outro exemplar (Vasconcellos, 1897:185). Da estela hoje desaparecida – Fonte Velha IV –, apenas restou o seu perene desenho na obra de Estácio da Veiga Antiguidades Monumentaes do Algarve (1891). No entanto, este merece reservas na sua atribuição como sendo um exemplar com escrita do Sudoeste. O mesmo será de apontar ao grafito representado numa pequena pedra recolhida por Estácio da Veiga numa das sepulturas que intervencionou no local e para uma outra pedra gravada, de epigrafia discutível (Correia, 1997).

À luz dos nossos dias, são evidentes as limitações do registo arqueológico dos achados, tanto daqueles feitos quer por Estácio da Veiga como dos elaborados por António Santos Rocha. O enquadramento das duas estelas com escrita do Sudoeste é problemático, ou porque surgem num terreno vizinho à necrópole, ou porque não têm qualquer indicação precisa da sua proveniência ou contexto. As únicas descrições claras dizem respeito à sua utilização secundária no reaproveitamento de duas das sepulturas, não correspondendo com exatidão à afirmação de Estácio da Veiga (1891: 253) que “as pedras com inscripções peninsulares acham-se em todo aquelle campo; pois ellas é que formam os flancos ou os topos de algumas sepulturas, tendo os letreiros apontados para dentro”.

Ilustração da planta da necrópole de Fonte Velha reorientada
a partir de Estácio da Veiga (1886-1891) – apud Parreira e Barros, 2007.

Ilustração da planta da necrópole de Fonte Velha reorientada
a partir de Virgílio Correia (1996) – apud Parreira e Barros, 2007.

Considerada como uma das maiores necrópoles existentes (Beirão, 1986: 34), da zona intervencionada nos finais do século XIX referenciaram-se trinta sepulturas, genericamente descritas como tendo um formato cistóide, construídas com lajes de grés e calcário. Contudo uma destas parece estar dentro de uma estrutura tumular (Beirão, 1986: 34). Muitas terão sido violadas e o espólio mencionado é escasso, sendo difícil a sua associação às sepulturas intervencionadas. Da obra de Estácio da Veiga (1891), dos conjuntos que foram individualizados por sepulturas são indicados um anel de cobre e contas de vidro azul; um anel de ouro, contas de vidro azul-escuro e 3 braceletes de bronze; dois objectos de ferro, contas pretas oculadas a branco e duas argolas de bronze; contas multicolores e uma ponta de lança em ferro, fíbulas e fragmentos de cerâmicas. Das publicações de António Santos Rocha, surgem apenas referências genéricas a contas de colar, inclusive numa das sepulturas que continha uma inscrição reaproveitada (Correia, 1997), e a um disco em ouro que conta com paralelos orientais no seu modo de elaboração e decoração (Beirão 1986: 38).

Contas da necrópole da Fonte Velha de Bensafrim
(parte da Estampa XXVII, Estácio, 1891: 253)

A reconhecida importância da necrópole de Bensafrim acabou, no entanto, por cair em esquecimento, apesar da descoberta na zona de alguns achados não epigráficos e de outras épocas (Rocha, 1904; Viana et al., 1953: 107 e 114; Viana, 1955: 554).

Nos anos 30 do século XX, José Formosinho, Director do Museu de Lagos, voltou a escavar perto do mesmo local um conjunto de oito sepulturas (Viana et al., 1953: 114 e 117). Apesar destas intervenções, a necrópole da Fonte Velha de Bensafrim aguarda a publicação da sua relocalização, face aos reconhecidos problemas de compatibilização dos diferentes registos[1].

A informação disponível é deste modo ainda insuficiente para ultrapassar a problemática da contextualização das estelas nesta necrópole e do panorama geral. Tal como referiu Ana Margarida Arruda (2004), não se pode afirmar com “segurança, que as muitas lápides epigrafadas encontradas em numerosos locais do Barrocal algarvio […] correspondam a necrópoles, quer por ausência de informação contextual, quer pela sua possível reutilização na arquitectura sepulcral” (apud Barros e Parreira, 2007: 98).

Bibliografia citada:

ARRUDA, A. M. (2004) – “Necrópoles proto-históricas do Sul de Portugal: o mundo oriental e orientalizante”. In El Mundo Funerario. [Actas del III Seminario Internacional sobre Temas Fenicios.Homenagem a M. Pellicer Catalán, Alicante, p. 457-494.
BEIRÃO, C. de M. (1986) – Une civilization protohistorique du Sud du Portugal (1er Age du Fer), Paris: De Boccard.
CORREIA, V. H. (1996) – A Epigrafia da Idade do Ferro do Sudoeste da Península Ibérica [Patrimonium/Arqueologia], 1. Porto: Edições Etnos.
CORREIA, V. H. (1997) – "A epigrafia pré-latina de Bensafrim", O Arqueólogo Português. Lisboa: MNA. IV Série, vol. 13-15, p. 181-209.
CORREIA, V. H. (1997) – “As necrópoles algarvias da I Idade do Ferro e a escrita do Sudoeste". In Barata, M. F. (coord. Edit.), Noventa Séculos entre a Serra e o Mar, Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico, p. 265-279.
MACHADO, J. L. S. (1964) – “Subsídios para a História do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcellos”. O Arqueólogo Português, Lisboa: MNA. Vol. II – V, p. 51 - 448.
PARREIRA, R. e BARROS, P. (2007) – “Necrópoles do Algarve no 2º e 1º milénios ane”. Xelb Silves: CMS. Nº. 7, p. 89-102.
ROCHA, A. dos S. (1896) – “A necrópole protohistorica da Fonte Velha, em Bensafrim, no concelho de Lagos”. Revista de Sciências Naturaes e Sociaes. Porto, 4, p. 129-145.
ROCHA, A. dos S. (1904) – Boletim da Sociedade Archeologica Santos Rocha. Nº 1. Figueira: Imprensa Lusitana.
VASCONCELLOS, J. L. de (1897) – Religiões da Lusitania na parte que principalmente se refere a Portugal. Vol. I-III. Lisboa: Imprensa Nacional.
VASCONCELLOS, J. L. de (1899-1900) – “Novas inscripções ibéricas do Sul de Portugal”, O Arqueólogo Português, Lisboa: MNA. 1ª Série: 5, p. 40-42.
VEIGA, S. P. M. Estácio da (1886/ 1891) – Antiguidades Monumentaes do Algarve, I, II, III e IV. Lisboa: Imprensa Nacional.
VIANA, A., FERREIRA, O. da VEIGA & FORMOSINHO, J. (1955) – “Estudos arqueológicos nas Caldas de Monchique: relance das explorações nas necrópoles da Idade do Bronze, do ano de 1937 ao de 1949”. Trabalhos de Antropologia e Etnologia, Porto: SPAE, 15, fasc. 1-2, p. 17-54.
VIANA, A., FORMOSINHO, J. & FERREIRA, O. da Veiga (1953) – “Algumas notas sobre o Bronze Mediterrânico do Museu Regional de Lagos”. Zephyrus, Salamanca: Universidad de Salamanca, 4, p. 97-117.




[1] Agradecemos as informações prestadas por Carlos Pereira sobre a localização aproximada da necrópole da Fonte Velha de Bensafrim.


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Estácio da Veiga e a “escrita do Algarve”

Um século depois de Frei Manuel do Cenáculo, o grande impulso no estudo da escrita do Sudoeste deve-se sobretudo aos trabalhos do arqueólogo algarvio Sebastião Philippes Martins Estácio da Veiga (1828-1891), que procurou a correlação das estelas com escrita do Sudoeste e o mundo das necrópoles da Idade do Ferro.

Terão sido os contactos estabelecidos entre Estácio da Veiga e o investigador alemão Emil Hübner (1834-1901), que em 1861 visita Portugal no âmbito do seu projecto de investigação Corpus Inscriptionum Latinarum, que provocaram no arqueólogo algarvio o interesse pelas antiguidades (Fabião, 2011: 140). Após a publicação de alguns trabalhos, onde se destaca de forma precursora uma concepção em que “o passado é encarado como uma continuidade” e que deve haver uma “indissociável ligação entre [o estudo d]os elementos móveis (…) e o local do seu achado” (Fabião, 2011:141 e 142), foi então incumbido oficialmente da Carta Archeológica do Algarve (1877). Nesta obra sistematiza a informação dos vestígios arqueológicos então existentes, uma novidade à época e que resulta ainda hoje numa referência obrigatória: as Antiguidades Monumentais do Algarve (1886-1891). É por isso considerado o primeiro arqueólogo profissional português (Fabião, 2011:139).
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É no decorrer deste trabalho que são identificadas, entre o interior e o limite sul do barrocal algarvio, diversas estelas. A maioria, quatro estelas com escrita do Sudoeste confirmadas e uma outra com reservas nessa atribuição, são recolhidas nas escavações que Estácio da Veiga desenvolve em Março de 1878 na necrópole de Fonte Velha de Bensafrim (Lagos), sítio que, posteriormente em 1895, António dos Santos Rocha (1853-1910) volta a intervencionar, identificando então outra estela.

De referir ainda a identificação por Estácio da Veiga em Cômoros da Portela (São Bartlomeu de Messines, Silves) de mais dois fragmentos de laje “de grés vermelho escuro” que podem pertencer a uma única estela (J.4.4). Na visita que faz ao local descreve que “as sepulturas estavam já em grande parte destruídas pelos lavradores” (Veiga, 1891: 259 e 286). Da sua autoria é também a indicação da existência de uma estela que, com muitas reservas, tem caracteres atribuíveis à escrita do Sudoeste, proveniente de Martinlongo, Alcoutim (Veiga, 1891:287). A partir de uma carta do Dr. Abel da Silva Ribeiro, refere também a notícia de que perto de Beja teriam sido encontradas outras “duas losas” com “caracteres gravados grosseiramente” e que por exclusão de partes foram considerados serem “os peninsulares” (Veiga, 1891: 202). Até aos dias de hoje, estes achados e sítios arqueológicos, situados a sua maioria no Barrocal Algarvio, delimitam o limite Sul das estelas com escrita do Sudoeste.

Fragmentos de estelas de Cômoros da Portela (Veiga, 1891: est. XXXVII) 
e sua reconstituição (Untermann, 1997:230 – J.4.4).

Epígrafe de Martinlongo (Untermann, 1997:108).

 
A importância destas estelas com escrita do Sudoeste, e provavelmente os contactos estabelecidos entre Estácio da Veiga e o investigador alemão, resultaram na sua inclusão na obra sobre escritas e línguas pré-romanas publicada em 1893 por Emil Hübner, Monumenta Linguae Ibericae, ainda hoje um importante marco na investigação sobre o tema.

Estes achados resultaram na adjectivação da escrita como sendo “do Algarve”, igualmente referida como “escrita ibérica”, “escrita turdetânica” ou “escrita tartéssica” (Correia, 1997: 265). A definição conceptual desta escrita arrastou-se pelo menos até à primeira metade do século XX, onde era ainda assumida como “inscrições ibéricas do Algarve” (Machado, 1964: 69). Só com a resolução de algumas questões científicas relacionadas com outros conceitos associados ao tema e com a localização de mais exemplares num âmbito geográfico mais alargado entre o Alentejo e o Algarve, foi sendo assumida como “escrita do Sudoeste”, sobretudo a partir da década de 70 do século XX.

Todos estes achados algarvios de finais do século XIX ocorreram no início da arqueologia científica, que começava a privilegiar a escavação com base numa sequência estratigráfica segundo as leis geológicas, mas que muitas vezes se limitava à abertura do terreno com o objectivo de atingir a maior área possível e à recolha dos artefactos mais apelativos. Contudo, a quase ausência de escavações arqueológicas nos sítios de proveniência das estelas com escrita do Sudoeste e a natureza do trabalho em Fonte Velha de Bensafrim não permitem ter uma precisão concreta quanto aos contextos das estelas e à sua associação primária aos monumentos funerários, elementos essenciais nos dias de hoje, quando se procede não apenas a uma sistematização da informação arqueológica mas também ao debate deste tema.

Contrariamente ao pioneirismo demonstrado na metodologia de trabalho, nas conclusões obtidas noutros temas, e na cautela tida na interpretação do que ai estaria escrito referindo que “não sei ler nem tento querer ler estas inscripções” (Veiga, 1891: 302), as conclusões sobre a escrita do Sudoeste, assunto à data propício à especulação, não são motivo para recordar, pondo em causa o mérito do seu trabalho de muitos anos (Guerra, 2007: 113). Estácio da Veiga considerou, no capítulo VII do último volume das Antiguidades Monumentaes do Algarve (1891), haver uma diferença entre as estelas alentejanas e as algarvias, numa interpretação ultrapassada já pelas ulteriores investigações sobre estes materiais e período cronológico. As primeiras, publicadas por Frei Manuel do Cenáculo e identificadas entre Ourique e Almodôvar, eram consideradas por Estácio da Veiga como sendo da Idade do Bronze, pela sua associação aos estoques de bronze. Análises posteriores revelaram que apenas um estoque é deste material (Guerra, 2007: 107). Já as epígrafes do Algarve eram associadas à Idade do Ferro (Veiga, 1891: 204-207).

Esta leitura, negada pelo errado enquadramento dos estoques – apesar do reconhecimento de uma mesma escrita, em diferentes épocas e regiões, pretendia apoiar uma visão que opunha de forma obstinada Estácio da Veiga aos ”orientalistas” e à adscrição fenícia da escrita. O arqueólogo algarvio era defensor de uma maior antiguidade desta escrita, chegando mesmo a considerar uma origem Pré-Histórica, “em pleno periodo neolithico”, suportado pelo que considerava ser um paralelo nos “grafitos” cerâmicos da Cueva de Los Murciélagos (Granada) e desta forma existir uma inversão da influência da escrita. Estácio da Veiga defendia assim o aparecimento desta escrita na Península Ibérica e a sua deslocação posterior para o oriente, ciente que seria declarado “herectico” perante a “invectiva da vaidade offendida” dos que chamava serem “mais phenicios que os proprios phenicios” (Veiga, 1891: 327).


Bibliografia citada:
CORREIA, V. H. (1997) - As necrópoles algarvias da I Idade do Ferro e a escrita do Sudoeste. In Barata, M. F. (coord. Edit.), Noventa Séculos entre a Serra e o Mar, Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico, p. 265-279.
FABIÃO, C. (2011) – Uma História da Arqueologia Portuguesa. S.L: CTT Correios de Portugal
GUERRA, A. (2007) – Estácio da Veiga e as prespectivas oitocentistas sobre a escrita do Sudoeste. Xelb, Silves: Câmara Municipal de Silves. Vol. 7, p. 103–114.
MACHADO, J. L. S. (1964) - Subsídios para a História do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcellos. O Arqueólogo Português, Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia. 2ª Série, nº V, p. 51 - 448.
UNTERMANN, J. (1997): Monumenta Linguarum Hispanicarum, Band IV. Die tartessischen, keltiberischen und lusitanischen Inschriften. Wiesbaden: Dr. Ludwig Reichert Verlag.
VASCONCELLOS, J. L. de (1897) - Religiões da Lusitânia. Vol. I. Lisboa: Imprensa Nacional.
VASCONCELLOS, J. L. de (1913) - Religiões da Lusitânia. Vol. III. Lisboa: Imprensa Nacional.
VASCONCELLOS, J. L. de (1899-1900) - Novas inscripções ibéricas do Sul de Portugal, O Arqueólogo Português, Lisboa: MNA. 1ª Série: 5, p. 40-42.
VEIGA, S. P. M. Estácio da (1891) - Antiguidades Monumentaes do Algarve, IV. Lisboa: Imprensa Nacional.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Estelas do Cenáculo (II)

Do momento inaugural da descoberta e interesse pelas estelas com escrita do Sudoeste, nos finais do séc. XVIII e dado a conhecer no Álbum do Cenáculo (Biblioteca Pública de Évora - códice CXXIX), constavam – como vimos anteriormente – as cinco estelas ditas de Ourique e outras três situadas no concelho de Almodôvar. São designadas por “Vale de Ourique” (A. Cen. 91; Üntermann J.11.4), “Guedelhas” (A. Cen. 1,13) e “Góias” (A. Cen. 47. Üntermann J. 27.1) e encontram-se todas desaparecidas. Estas três proveniências devem ser assumidas como áreas genéricas de localização das epígrafes.
Estela de Góias: a partir do Álbum do Cenáculo, do desenho de Zóbel de Zangróniz (Almagro-Gorbea, 2003) e a partir das cópias de Estácio da Veiga dos desenhos do Álbum do Cenáculo

Na continuidade geográfica do conjunto de Ourique, a estela de Góias situar-se-á em torno da aldeia do Rosário (Almodôvar). Nalgumas das sistematizações destes conjuntos epigráficos (Beirão, 1986: 127; Correia 1996: 71) esta estela tem sido associada ao Monte das Góias em São Miguel do Pinheiro (Mértola), contudo não se deve deixar de atender à legenda que surge no seu desenho do Álbum do Cenáculo que aponta para a “Alegoa do Soeiro junto de Almod.ar p. Sra. Do Rosário” (Beirão, 1980: 9). Apesar da existência do topónimo em São Miguel do Pinheiro (Mértola), a zona do Rosário (Almodôvar), pode, por hipótese, corresponder ao local de proveniência desta estela.

No local hoje chamado de Lagoa do Soeiro (Almodôvar) apenas foi reconhecida uma ocupação Medieval/ Moderna (CNS 1033), mas existem outras informações que revelam a importância da área durante a Idade do Ferro. É entre os conjuntos de Ourique e de Neves/ Corvo (Castro Verde e Almodôvar), que se localiza a descoberta mais recente de uma estela epigrafada do Sudoeste, a de Monte Gordo, reaproveitada num monte junto à povoação do Rosário. Deve-se ainda ter em consideração a notícia de Leite de Vasconcellos (1933: 235) do aparecimento, por volta de 1913, de oito espetos de bronze no Rosário, cujo actual paradeiro também é desconhecido.

As prospecções do Projecto Estela revelaram ainda vestígios que, com algumas reservas, atendendo aos paralelos construtivos conhecidos na área face à ausência de materiais, podem estar relacionados com um enquadramento Pré/Proto-histórico: Ataboeira, eventual monumento funerário composto por uma pequena elevação circular que poderá corresponder a um tumulus, e Atalaia 2, com uma mamoa demarcada no topo de uma elevação que lhe aufere um amplo domínio visual.

 Vista Geral da zona do Rosário a partir de Atalaia 2

Para Este, nesta zona de peneplanície, encontra-se a importante área arqueológica de Neves-Corvo que deu a conhecer as estelas de Neves 2, do Touril e o signário de Espanca, nos limites do concelho de Castro Verde com Almodôvar. Num privilegiado eixo de passagem para Sul, seguindo para montante da Ribeira de Oeiras ao encontro da Ribeira do Vascão, localizam-se as outras duas estelas com escrita do Sudoeste deste conjunto, uma possivelmente junto da actual povoação de Guedelhas e a outra no lugar de Vale de Ourique.

Guedelhas, local referido nos finais do século XVIII por Frei Manuel do Cenáculo de Vilas-Boas como sendo a origem de um achado de uma estela com escrita do Sudoeste traz algumas questões, ainda de difícil resolução. Os parcos elementos que apresenta a sua representação gráfica, que a tornam de difícil compreensão e o facto de não se conhecer hoje o seu paradeiro levam a que não seja considerada um monumento epigráfico. Contudo, nos inícios do século XX Leite de Vasconcellos (1933: 243 e 244) identificou vestígios de povoamento na chamada Herdade das Guedelhas (CNS 6325). Apelidados de "moirama" os achados foram identificados “no curralinho antes do monte, [de] tegulae e [de] uma mó” e uma “pedra de raio” - tendo um machado de pedra polida sido identificado no monte. Nas prospecções realizadas não houve lugar a qualquer confirmação destes dados, o que se pode dever, por um lado, ao tempo já decorrido desde essas observações e, por outro, pela falta de informação concreta sobre a localização do achado. Significará isto que pode haver uma associação do topónimo à Herdade, que nessa altura teria muito maiores dimensões do que nos dias de hoje tem. Quanto à epígrafe, recorde-se ainda que, segundo alguns autores, o seu desenho não permite uma leitura segura (Üntermann, 1997 e Correia, 1996).


Estela de Guedelhas: a partir do Álbum do Cenáculo e 
do desenho de Zóbel de Zangróniz (Almagro-Gorbea, 2003)


É ainda nas proximidades da Ribeira de Oeiras que se julga ter sido localizada a estela de Vale de Ourique, (CNS 3167). Frei Manuel do Cenáculo relata que, a 5 de Agosto de 1878, é informado por carta de como a estela estaria a ser reutilizada como assento das colmeias do lavrador José Roiz. No âmbito dos trabalhos do Projecto Estela, no local hoje designado por Monte de Vale de Ourique de Cima (Almodôvar), a história parece ter persistido na memória dos seus moradores, contudo não foram identificados quaisquer vestígios arqueológicos associados.

Deve-se contudo referir que, entre estas duas localizações, ao longo das Ribeiras de Oeiras e do Vale, existem vestígios associados à Idade do Ferro. Notícias orais de eventuais estelas epigrafadas, entretanto desaparecidas, possivelmente destruídas aquando de trabalhos agrícolas ou reutilizadas numa casa no Monte das Mestras, estão associadas a Valagão 1 (CNS 24045), necrópole de onde existe ainda a informação da existência de uma urna cinerária. Monte Beirão 1 (CNS 3161) corresponderá a um povoado (Beirão, 1986: 52 e 53) onde foram recolhidos, entre outros materiais, uma ânfora grega (Beirão, 1986: 55 – fig. 7 A) então datada entre os séculos VII e V a.C. (Beirão e Gomes, 1980: 29 e fig. 299), mas que deve corresponder à primeira metade do século IV a.C. (Arruda, 1997: 93), e um espeto (ou estoque) em bronze (Beirão e Gomes, 1980: 29). A primeira trata-se, até hoje, do único fragmento de ânfora vinária grega identificado no actual território português (Arruda e Gonçalves, 1995:25). Existe ainda a indicação de uma ponta de lança e de uma haste em ferro (Beirão e Gomes, 1980: 26; Silva e Gomes, 1992:249) na necrópole de Monte Novo da Misericórdia (CNS 3160), e informações orais mencionam a existência de urnas, junto a uma estrutura que se define numa pequena câmara no Cerro das Bonecas/Aguentinha (CNS 22051).



Estela de Vale de Ourique: a partir do Álbum do Cenáculo, do desenho de Zóbel de Zangróniz (Almagro-Gorbea, 2003) e a partir das cópias de Estácio da Veiga dos desenhos do Álbum do Cenáculo


 Bibliografia citada:

ALMAGRO-GORBEA, M. (2003): Epigrafía Prerromana. Real Academia de la Historia, Catálogo del Gabinete de Antigüedades, Madrid.
ARRUDA, A. M. (1997): As Cerâmicas Áticas do Castelo de Castro Marim no Quadro das Exportações Gregas para a Península Ibérica. Seguido por O Corço, a Kilix e Dyonisos (uma Breve Nota sobre Cerâmica e Símbolos). Lisboa: Edições Colibri.
BEIRÃO, C. de M. e GOMES, M. V. (1980): A I Idade do Ferro no Sul de Portugal: Epigrafia e Cultura. Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia.
CORREIA, V. H. (1996): A epigrafia da Idade do Ferro do Sudoeste da Península Ibérica. Porto: Ed. Ethnos.
UNTERMANN, J. (1997): Monumenta Linguarum Hispanicarum, Band IV. Die tartessischen, keltiberischen und lusitanischen Inschriften. Wiesbaden: Dr. Ludwig Reichert Verlag.
VILAS-BOAS, D. F. M. do C. (1791): Cuidados literários do prelado de Beja em graças do seu bispado.
VILAS-BOAS, D. F. M. do C. (1800): "Sesinando Mártir e Beja sua Pátria". Arquivo de Beja, vol. V e seguintes.
VILAS-BOAS, D. F. M. do C. (1813): Graças concedidas por Christo no campo de Ourique acontecidas em outros tempos e repetidas no actual conforme aos desenhos de sua edade. Lisboa.
VASCONCELLOS, J. L. (1933) - Excursão pelo Baixo Alentejo. O Archeólogo Português. Iª série. Nº 29 (1930-1931), p. 230-246

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

As estelas do Cenáculo (I)

Numa síntese retrospectiva no tema das estelas com escrita do Sudoeste, são vários os momentos chave na história da sua investigação (percurso abordado, entre outros, em Correia, 1996; Rodríguez-Ramos, 2002; Guerra, 2007).

O momento primordial, de finais do século XVIII, assenta na obra chamada de Álbum de Cenáculo da autoria de D. Frei Manoel do Cenáculo Villas-Boas (1724-1814), considerado por uns como o primeiro arqueólogo português. Neste álbum chamado Lápides do Museo Sesinando Cenaculano Pacence (actualmente depositado na Biblioteca Pública de Évora - códice CXXIX) foi feita a primeira relação de um conjunto de estelas com escrita do Sudoeste devidamente ilustradas, na sua maioria entretanto perdidas. Uma obra feita a par de outra datada de 1791 Cuidados Literários do Prelado de Beja em Graça do seu Bispado ou Sisenando Mártir e Beja sua Pátria, que relata as descobertas das estelas, espetos de bronze e necrópoles do Baixo Alentejo.


Neste primeiro inventário, são apresentadas um total de oito estelas provenientes de pelo menos quatro sítios arqueológicos localizados entre Ourique (com indicação de cinco estelas) e Almodôvar (três estelas). Na época, juntava-se-lhe a estela de Alcalá del Rio (Sevilha), a primeira a ser referenciada a 6 de Maio de 1763 e também hoje desaparecida.

O interesse pioneiro de Villas-Boas nesta escrita pré-romana era em boa parte motivado pelo seu interesse no estudo das línguas orientais, em especial o hebraico, assim apontando uma origem oriental à escrita do Sudoeste. Próprio de uma «arqueologia ilustrativa» fiel à Bíblia, Cenáculo via nesta escrita “(…) indícios do antigo hebraico, misturado com o fenício e com eventuais influências dos povos peninsulares, celtas e turdetanos, identificados a partir das notícias do geógrafo Estrabão. Essa mescla de idiomas era, na sua opinião, justificada pela descendência de Noé que, sendo escassa, dera origem a distintos povos que conservavam línguas aparentadas, todas descendentes do antigo hebraico” (Fabião, 2011: 73).



Estela de Ourique II Beirão (1986) e a partir de Almagro Gorbea (2003)

A estela Ourique II (J.17.1 de Untermann, equivalente no Álbum de Cenáculo ao desenho nº 93) foi a única que chegou aos nossos dias, e encontra-se hoje em exposição no Museu Regional de Beja. O seu desenho no Álbum não é o único, tendo dado origem, por ocasião da visita do espanhol José Andrés de Cornide (entre 1798 e 1801) a uma outra ilustração com a legenda: “Inscripon Celtica del campo de Ourique / En el Gabinete del Sor Ospo de Beja en una pizarra de la forma abajo señalada”. Trata-se de um registo distinto, dado a conhecer por Martin Almargo-Gorbea (2003: 97 e 98), que mostra também um segundo desenho do mesmo autor e da mesma estela em caderno de anotações intitulado de “inscripciones de Beja recojidas por el Padre Salgado”, provável informador do Bispo de Beja.

Estão hoje desaparecidas as restantes estelas de Ourique representadas no Álbum de Cenáculo sem indicação de escala ou dimensões: Ourique IV (A. Cen. 96; Untermann J.17.2); Ourique III (A. Cen. 95; J.17.3) e Ourique I (A. Cen. 92, J.17.4), assim como Ourique V (A. Cen. 1 e 13). A esta última estela estão legendados dois desenhos, possivelmente da mesma epígrafe, embora diversos autores não a considerem como um exemplo da escrita do Sudoeste pelas ilustrações pouco fiáveis (Correia, 1996 e Untermann, 1997). Estes fragmentos terão “(…) sido achados na mesma sepultura estando um voltado «para a parte da cabeça» e outro «para a parte dos pés» ” (Beirão e Gomes, 1980: 9).



Estelas de Ourique: a partir dos desenhos do Album do Cenaculo 
e a partir das cópias de Estácio da Veiga dos desenhos do Album do Cenaculo


Algumas destas estelas poderão ter surgido integradas em sepulturas que este investigador mandou explorar nos concelhos de Ourique e Almodôvar, à semelhança do importante trabalho de recolha de informações e escavações em outras áreas do Sul do país. Porém, por não existir qualquer indicação precisa dos achados registados nas últimas duas décadas do século XVIII, não é correcto assumir uma associação directa entre a designação de proveniência de “Ourique” como sendo da actual vila ou do Cerro do Castelo (onde nos faltam informações de contextos arqueológicos desta época), pelo que se deve ter sim em consideração as escavações que Cenáculo promoveu na região dos “Campos de Ourique”, e atender às duas necrópoles que terá descoberto na base do Castro da Cola: uma a norte deste, na foz da ribeira do Marchicão, composta por doze sepulturas rectangulares (da “gente da plebe”); e outra – dos “generaes” no patamar a sueste com seis sepulturas quadradas (Vilhena, 2006: 26).


Bibliografia citada:
ALMAGRO-GORBEA, M. (2003): Epigrafía Prerromana. Real Academia de la Historia, Catálogo del Gabinete de Antigüedades, Madrid.
BEIRÃO, C. de M. e GOMES, M. V. (1980): A I Idade do Ferro no Sul de Portugal: Epigrafia e Cultura. Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia.
CORREIA, V. H. (1996): A epigrafia da Idade do Ferro do Sudoeste da Península Ibérica. Porto: Ed. Ethnos.
FABIÃO, C. (2011): Uma História da Arqueologia Portuguesa. CTT Correios de Portugal.
GUERRA, A. (2007): Museu da Escrita do Sudoeste Almodôvar. Almodôvar: Câmara Municipal de Almodôvar.
RODRÍGUEZ RAMOS, J. (2002): El origen de la escritura sudlusitano-tartesia y la formación de alfabetos a partir de alefatos. Rivista di Studi Fenici. 30:2, 81-116.
UNTERMANN, J. (1997): Monumenta Linguarum Hispanicarum, Band IV. Die tartessischen, keltiberischen und lusitanischen Inschriften. Wiesbaden: Dr. Ludwig Reichert Verlag.
VILAS-BOAS, D. F. M. do C. (1791): Cuidados literários do prelado de Beja em graças do seu bispado.
VILAS-BOAS, D. F. M. do C. (1800): "Sesinando Mártir e Beja sua Pátria". Arquivo de Beja, vol. V e seguintes.
VILAS-BOAS, D. F. M. do C. (1813): Graças concedidas por Christo no campo de Ourique acontecidas em outros tempos e repetidas no actual conforme aos desenhos de sua edade. Lisboa.
VILHENA, J. (2006): O sentido da permanência. As envolventes do Castro da Cola nos 2.º e 1.º milénios a.C. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Dissertação de Mestrado inédita). Documento Policopiado.


segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Prémio APOM 2011 para “A vida e a morte na Idade do Ferro” do MESA

A exposição do Museu da Escrita do Sudoeste de Almodôvar – “A vida e a morte na Idade do Ferro” recebeu uma Menção Honrosa dos prémios da Associação Portuguesa de Museologia (APOM) na categoria de Melhor Trabalho de Museografia.



A exposição resultou dos trabalhos desenvolvidos pelo Projecto ESTELA, responsáveis pela respectiva produção de conteúdos e do catálogo, promovida pela Câmara Municipal de Almodôvar, num projecto museológico e museográfico da Arqueohoje.

Os Prémios APOM tem como objectivo “incentivar e premiar a imaginação e a criatividade dos Museólogos portugueses e o seu contributo efectivo na melhoria da qualidade dos museus em Portugal, sendo também uma forma de dar visibilidade ao que de melhor se faz no âmbito da museologia” homenageando “o excelente trabalho que os museus e os seus profissionais desenvolveram ao longo” do ano. A cerimónia de entrega dos Prémios 2011 decorreu no dia 12 de Dezembro no auditório do BES Arte e Finança em Lisboa.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

9º Encontro de Arqueologia do Algarve


Começa hoje o 9º Encontro de Arqueologia do Algarve que decorre até ao dia 22 de Outubro, na Fissul em Silves.

O projecto Estela participa no encontro com o poster "Projecto ESTELA: uma revisão das estelas com escrita do Sudoeste e vestígios proto-históricos na serra do concelho de Loulé" (Pedro Barros, Samuel Melro e Susana Estrela).

RESUMO:

Os trabalhos arqueológicos do Projecto Estela desenvolvidas durante os anos de 2010 – 2011 pretenderam rever os dados existentes (contextos, sítios, estelas, materiais), partindo de uma investigação dos dados dos trabalhos já realizados (levantamento documental, estudo de colecções em depósito) e da verificação desses dados no terreno (prospecções). O objectivo é a problematização da ocupação Proto-histórica nas freguesias serranas de Loulé, dentro do contexto geográfico e paisagístico que marca a região, com um particular ênfase sobre a temática das estelas da Idade do Ferro com escrita do Sudoeste.

O conjunto de dados disponíveis e agora coligidos para reconstituir a vivência humana ao longo do I milénio a.C. comporta sobretudo vestígios em torno do mundo funerário e muito poucos acerca dos povoados. As inúmeras limitações existentes condicionaram leituras mais concretas nesta área, no entanto, os trabalhos arqueológicos permitiram ilustrar de forma mais completa a complexidade das temáticas em torno da ocupação da Idade do Bronze, da distribuição das necrópoles da Idade do Ferro, das estelas com escrita do Sudoeste e da organização do território antes da ocupação de época romana.

Com estes dados espera-se contribuir, através de um espaço museológico como o Museu Municipal de Arqueologia de Loulé, para a criação de acções que conjuguem a investigação e a valorização, a divulgação, a educação e a fruição das paisagens culturais, e desta forma fortalecer uma relação de identidade das pessoas com o património.

III Jornadas do Património de Ferreira do Alentejo


Vão realizar-se, no âmbito das comemorações do 7º aniversário do Museu Muncipal de Ferreira do Alentejo, as III Jornadas do Património, dedicadas ao tema "Museus em destaque: exemplos do Distrito de Beja", nos dias 21 e 22 de Outubro de 2011.

É nesse âmbito apresentado por Rui Cortes e Rui Santana (Câmara Municipal de Almodôvar) a comunicação "Museu da Escrita do Sudoeste Almodôvar - quatro anos de actividade".

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Divulgando o património como identidade de Almodôvar


Decorreu no passado fim-de-semana uma série de actividades promovidas pela Autarquia de Almodôvar, que reflectem uma aposta e estratégia do município na afirmação do seu património arqueológico como porta de entrada à descoberta de uma herança e de uma paisagem assumida como o antigo território da escrita do Sudoeste.


Como foi referido pelo seu presidente da Câmara Municipal, na apresentação do Guia de Almodôvar (uma amostra do mesmo pode ser vista em Naturterra), a escrita do Sudoeste e o património arqueológico “estão «em destaque» (…), porque tornaram-se «o epicentro e marcas da identidade» do concelho e têm «uma ênfase particular na estratégia de desenvolvimento e de promoção» de Almodôvar” (notícia).

António Sebastião, reforçou a ideia de que “o património é um elemento fundamental da estratégia de desenvolvimento do concelho de Almodôvar” para poder “atrair visitantes, criar empregos”, onde a Autarquia através de um “investimento que valoriza o nosso concelho e cria condições para a sua sustentabilidade futura”. Estas palavras ocorreram durante a apresentação dos resultados de dois anos de escavações na necrópole da Idade do Ferro da Abóbada, conforme é notícia no novo jornal da região do Algarve e Baixo Alentejo: Sulinformação.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A Necrópole da Abóbada da Idade do Ferro: Trabalhos Arqueológicos 2010/2011


No próximo dia 24 Setembro em Almodôvar (Salão Nobre dos Paços do Concelho de Almodôvar) pelas 18:30h, no âmbito da programação das Jornadas Europeias do Património 2011, tem lugar a apresentação dos resultados das campanhas arqueológicas de 2010 e 2011 realizadas na necrópole da Idade do Ferro da Abóbada e da ponta de lança da Idade do Ferro, por Samuel Melro, Pedro Barros e David Gonçalves.


A escavação arqueológica na necrópole da Idade do Ferro da Abóbada (Aldeia dos Fernandes, Almodôvar) decorre do Projecto ESTELA, o qual após a realização de trabalhos de prospecção arqueológica escolheu-o como o primeiro dos lugares a ser intervencionado. Essa escolha teve como objectivo principal o esclarecimento e caracterização do local de proveniência da estela I da Abóbada. Achada em trabalhos agrícolas em 1972 e apelidada como “Estela do Guerreiro”, precisamente por representar ao centro da inscrição com escrita do Sudoeste uma figura humana interpretada como um guerreiro. A descoberta despertou, a nível peninsular, desde então e até à actualidade um enorme interesse pela excepcionalidade da associação entre a escrita e a representação humana. Porém o local da descoberta fora apenas alvo de um breve registo aquando da sua descoberta, com uma notícia preliminar realizada por Manuela Alves Dias e Luis Coelho sem nunca ter sido devidamente intervencionado. Assim, não só era necessário esclarecer cientificamente o contexto deste sítio arqueológico (cronologia, tipo de estruturas, documentar os rituais funerários, etc.), mas igualmente recolher dados para poder contar ao visitante do MESA, a história por detrás daquela figura apelidada de “guerreiro” que é hoje o símbolo deste núcleo museológico.


Os trabalhos arqueológicos realizados em 2010 e 2011 voltaram ao sítio da descoberta da estela I da Abóbada, 38 anos depois. Nestes últimos dois anos, as escavações conduzidas pelos arqueólogos Samuel Melro e Pedro Barros e pelo antropólogo físico David Gonçalves, com o apoio da Câmara Municipal de Almodôvar e da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, permitiram registar com precisão não apenas o local exacto onde se tinha encontrado a estela, que cobria uma urna que conteria uma cremação, como também observar – apesar de ter sido alvo de uma grande destruição causada pela lavra mecânica – a presença de outros dois monumentos funerários (estruturas quadrangulares) e de outras sepulturas em fossa simples (covachos rectangulares abertos no substrato geológico) com deposição secundária das cremações, contribuindo assim para o conhecimento das realidades e práticas funerárias da Idade do Ferro.

Nesse cenário, pautado pela ausência de espólio, uma das poucas excepções a essa regra, foi a recolha de uma ponta de lança, que depois de restaurada é também apresentada publicamente e integrada na exposição “A Vida e a Morte na Idade do Ferro” patente no MESA.

Neste mesmo dia, pelas 21h, Amílcar Guerra apresenta a estela epigrafada com escrita do Sudoeste do Monte Gordo (Rosário).

Guia do Concelho de Almodôvar – Território da Antiga Escrita do Sudoeste


“Visitar Almodôvar, descobrir, ouvir e sentir o seu território, é um convite aliciante e indeclinável. Situado na transição entre o Alentejo e o Algarve, entre a planície e a serra, o Concelho de Almodôvar congrega em si uma espiritualidade ímpar, resultado da diversidade de paisagens e de espécies animais e vegetais que acolhe. Mas Almodôvar é muito mais que uma bonita paisagem: tem alma e história, tão antiga como preciosa.
Ocupada pelo Homem desde o Neolítico, aqui se encontram alguns dos mais importantes achados arqueológicos da história, atestando a centralidade que, desde sempre, o Concelho teve. Entre os tesouros almodovarenses encontram-se importantes e raros achados epigrafados com escrita do sudoeste que nos permitem recuar 2500 anos, à Idade do Ferro, um tempo em que a palavra era de pedra; e também o não menos importante sítio arqueológico das Mesas do Castelinho, aglomerado populacional que se afirmou, desde a II Idade do Ferro, como um dos mais influentes a sul do Tejo.
Almodôvar foi sempre (e de certa forma continua a ser) uma terra de fronteira. Não admira por isso que Almodôvar tivesse sido, ao longo de séculos, a última paragem antes da dura travessia da Serra do Caldeirão, a natural fronteira que sempre separou este Concelho dos aglomerados populacionais algarvios. Actualmente, devido à facilitação da jornada, já não é necessário pernoitar antes de cruzar a Serra no dia seguinte, mas a paragem mantém-se obrigatória para que se possam conhecer as marcas que construíram a identidade de Almodôvar no passado e perduram no presente. Almodôvar traz consigo as lembranças de outros tempos, memórias que o povo cultiva e não deixa esquecer”

São estas as palavras do Autarca de Almodôvar António Sebastião que abrem o “Guia do Concelho de Almodôvar – Território da Antiga Escrita do Sudoeste”, uma edição da Câmara Municipal de Almodôvar, resultado de uma Produção da NATURTERRA, com a coordenação editorial de David Travassos, que irá ser apresentado no dia 23 de Setembro, pelas 21h, na Biblioteca Municipal de Almodôvar.

A escrita do Sudoeste e o património arqueológico assumem particular relevo, como marca de identidade e promoção de Almodôvar. É possível agora aceder a um guia de percursos pedestres, de bicicleta e de automóvel, introduzidos por textos de enquadramento da paisagem, da flora, da fauna, da história e do património do concelho. Nestes capítulos participou Samuel Melro, cumprindo assim os objectivos do Projecto ESTELA na valorização da temática arqueológica, com vista ao seu usufruto público e generalizado de todos os interessados. A partir daqui sai reforçado o convite para a descoberta deste que é o antigo Território da Antiga Escrita do Sudoeste…

Lançamento das Actas do Encontro “Arqueologia e Autarquias”

Integrado nas comemorações das Jornadas Europeias do Património de 2011 (programa), cujo tema é “Património e Paisagem Urbana”, terá lugar no dia 24 de Setembro, pelas 16h locais, no Auditório do Centro Cultural de Cascais, a Mesa Redonda sobre “Arqueologia e Autarquias”.


No final deste evento, numa edição conjunta da Associação Profissional de Arqueólogos e da Câmara Municipal de Cascais, será lançado o livro com as Actas do Encontro “Arqueologia e Autarquias”, realizado em 2008 em Cascais, e no qual o Projecto ESTELA tem com uma participação: “Museu da Escrita do Sudoeste de Almodôvar: do museu para o território”, de Samuel Melro, Pedro Barros e Rui Cortes.


Resumo:

“O Museu da Escrita do Sudoeste de Almodôvar (MESA), criado em 2007, capitaliza um dos maiores ícones da Idade do Ferro do Sudoeste Peninsular – as estelas com Escrita do Sudoeste. Um núcleo museológico que reflecte a preocupação com uma identidade local reconhecida pela Autarquia de Almodôvar num património arqueológico, do qual o concelho é, de certa forma, um dos epicentros.
Consequentemente, a necessidade de proceder à disposição da informação sobre esta temática e da sua expressão no concelho levou ao desenvolvimento do projecto Estela – Sistematização da
Informação das Estelas com Escrita do Sudoeste, cujos principais pressupostos são expostos. Este permitirá, através da caracterização dos contextos e território dos sítios arqueológicos no concelho de Almodôvar, a revisão e produção de conhecimentos sobre a sociedade que ai habitou, e que numa das suas fases, durante os meados do 1º milénio a.C., foi um local central da primeira região peninsular com escrita.
O seu enquadramento no MESA é determinante naquele que é o seu objectivo último: transpor o conhecimento científico adquirido para um território físico e humano, ou seja, transpor o Museu para o Território.
Assumindo-se o turismo como um agente que se pretende dinamizador das regiões interiores, é também necessário equacioná-lo na promoção do património cultural. Este poderá vir a passar pela salvaguarda, valorização e fruição futura de sítios arqueológicos e paisagens culturais associadas, e que seja sustentada, antes de mais, por uma estratégia de Educação Patrimonial para as populações que as envolva.”