sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Cerca do Curralão

No âmbito das relocalizações efectuadas em 2008 pelo Projecto ESTELA foi possível determinar o local da descoberta acidental, no decorrer de trabalhos agrícolas à mais de 30 anos, da estela da Cerca do Curralão (Santos, 1980; Beirão, Gomes, 1980: 25; Beirão, 1986: 134, Inscrição nº63; Correia, 1996: 133, 165 e Untermann, 1997: 264, 265; inscrição J.11.3) – CNS 2697.

Os dados relativos a estes trabalhos foram já apresentados no 1º Encontro da Escrita do Sudoeste, Almodôvar (19 de Janeiro de 2009) e em Melro et alli (2009) e Barros et alli (no prelo).



Imagem: (Beirão, 1986: Inscrição nº 63)


O local é situado na Ribeira de Odelouca, importante linha de água que articula a distribuição e a passagem entre as pequenas povoações, naquela que coincide hoje na delimitação administrativa concelhia e regional entre o Alentejo (Ourique e Almodôvar) e o Algarve (Silves).



Nesta área era conhecido um núcleo privilegiado de estelas, nomeadamente as estelas da Corte do Freixo e de São Martinho (Cortes, 1999). A este conjunto pode-se agora associar com segurança a localização exacta da já conhecida estela da Cerca do Curralão, cuja proveniência do achado era incerta e referida a “local impreciso” e de “cartografia impossível” (Correia, 1996: 133 e 165).


Imagem: (Santos, 1980)


Retomando a indicação inicial de Manuel Farinha dos Santos, com a leitura da sua documentação de 1980 onde constava uma relação de diversas "possíveis estações arqueológicas" observadas após se ter deslocado a Santa Susana (Almodôvar), com o intuito de comprar a referida estela, viemos a percorrer os passos daquele investigador e relocalizar de forma fidedigna os sítios arqueológicos referenciados, ao ouvir de viva voz por parte da Srª. Deonilde, as indicações que ela mesmo dera a Farinha dos Santos. A fotografia do achado que encabeça o álbum de fotografias da família ilustra por demais como o episódio foi marcante nesse seio familiar.




A importância deste achado reflectiu-se assim também como um verdadeiro elemento de ligação entre estes e outros achadores com o seu passado, e por consequente o reforço de uma identidade local com um património que é antes de mais parte das comunidades e gentes deste território.

O local da descoberta acidental da estela surge em área aplanada num ponto de entrada da Ribeira de Odelouca, a partir do qual ainda hoje se observa uma maior cadência no povoamento e circulação. Não se observam porém quaisquer materiais ou indicadores que possam precisar qualquer estrutura ou realidade arqueológica na zona do achado ou que afira a possível existência de uma necrópole ou povoado (Melro et alli (2009) e Barros et alli (no prelo)).


Das restantes "possíveis estações arqueológicas" que Manuel Farinha dos Santos (1980) indicara, e nos âmbitos cronológicos eventualmente relacionados com este período, são de reter duas observações. Uma primeira decorre da prospecção realizados em torno da Cerca do Curralão e da identificação de um sítio inédito: Cabeço dos Curralões 2, onde apenas se recolheram dois dormentes. A segunda, que não foi demonstrada no terreno, são as várias notícias de “cistas” de época indeterminada nessa pequena área, nos lugares do Monte da Ribeira de Odelouca, da Cerca do Troviscal e em Valagões. Não podemos por fim esquecer a referência a uma outra estela epigrafada no Cerro dos Cardazóis (Silves) e que estaria num curral hoje já inexistente.

Na continuação da Ribeira de Odelouca, nas suas margens de Almodôvar e Silves, deveremos ainda atender ao sítio associado à estela de São Martinho (Silves) (Cortes, 1999), de novo em área plana na várzea de um meandro da Ribeira de Odelouca e onde mais uma vez se verifica a ausência de espólio arqueológico e estruturas associadas.

A estela da Cerca do Curralão pode actualmente ser vista no Museu de Arqueologia e Etnografia do distrito de Setúbal, integrando desde Outubro de 2009 a exposição permanente aí patente.


Bibliografia:

Barros, P., Melro, S. e Santos, P. J. [no prelo] - "Projecto ESTELA: primeiros resultados dos trabalhos nas serras de Mú e Caldeirão", Xelb,10, Silves.

Beirão, C. de M. e Gomes, M. V. (1980): A I Idade do Ferro no Sul de Portugal: Epigrafia e Cultura. Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia.

Beirão, C. de M. (1986) – Une civilization protohistorique du Sud du Portugal (1er Âge du Fer), Paris, De Boccard.

Correia, V. H. (1996) – A Epigrafia da Idade do Ferro do Sudoeste da Península Ibérica, Porto, Ed. Ethnos.

Cortes, R. (1999) – Levantamento da Carta Arqueológica de Almodôvar. Relatório de Estágio Profissional [Projecto Levantamento da Carta Arqueológica de Almodôvar], edição policopiada.

Melro, S., Barros, P., Guerra, A. e Fabião, C. (2009) - "O projecto ESTELA: primeiros resultados e perspectivas", Palaeohispanica 9 - Acta Palaeohispanica X: Actas do X Colóquio sobre Línguas e Culturas Paleo-Hispânicas, Zaragoza, Institución "Fernando el Católico" e Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto, pp. 353-359.

Santos, M. F. dos (1980) – Projecto Prospecção do terreno do concelho de Almodôvar [Investigação ad hoc], Correspondência, 14 Agosto de 1980.

Untermann, J. (1997) – Monumenta Linguarum Hispanicarum. Die tartessischen, keltiberischen und lusitanischen Inschriften,.Wiesbaden, 4, Dr. Ludwig Reichert Verlag.

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